terça-feira, 11 de outubro de 2011

O sentido faz falta?

CONTARDO CALLIGARIS

A gente procura um sentido para a vida somente quando o cotidiano perde sua graça e seu encanto


É uma queixa frequente: o mundo e a vida fazem pouco sentido - muito menos sentido do que antigamente, completam os saudosistas. Nas famílias, às vezes, essa queixa produz uma espécie de pingue-pongue. Os pais acham que os filhos adolescentes vivem por inércia, sem rumo e projeto: "Eles não estão a fim de nada que preste, não têm uma causa, uma visão de futuro".
Os filhos, confrontados com essa preocupação dos pais, declaram que, se precisassem mesmo de um sentido para viver, certamente não é com os pais que eles o aprenderiam: "Mas qual sentido gostariam que eu escolhesse para minha vida, se a vida deles não tem nenhum?". Nesse diálogo, o sentido parece ser sempre o que falta na vida dos outros que criticamos.
Também existem indivíduos (adolescentes e adultos) que se queixam da falta de sentido em sua própria vida: "Viver para quê? Todo o mundo vai morrer de qualquer jeito; que sentido tem?".
Geralmente, ao procurar responder a essas constatações desconsoladas, amigos, parentes e terapeutas agem como os pais que mencionei antes: querem injetar uma causa, uma visão de futuro na vida de quem lhes parece ter perdido o rumo "necessário" para viver.
Agora, eu não estou convencido de que, para viver, seja necessário que a vida tenha um sentido. Quando alguém se queixa de que sua vida é sem sentido, não tento interessá-lo em grandes razões para viver. Prefiro perguntar (para ele e para mim mesmo) de onde surge tamanha necessidade de um sentido. É curioso que, para alguns, a existência precise de uma justificação, de uma razão, de uma causa, de uma visão de futuro.
Em regra, essa necessidade de justificar a vida se impõe quando a própria vida não se basta mais. Ou seja, é quando os gestos cotidianos perdem sua graça que surge a obrigação de fundamentar a vida por outra coisa do que ela mesma.
Nota clínica: a depressão não é o mal de quem teria perdido (ou nunca achado) uma grande razão para viver. Depressão é ter perdido (ou nunca encontrado) o encanto do cotidiano. Por consequência, tentar "curar" a depressão de um adolescente propondo-lhe militância política ou fé religiosa é nocivo: se a gente conseguir capturá-lo num grande projeto, esse mesmo projeto o afastará ainda mais da trivialidade do dia a dia, cujo encanto ele perdeu.
Resumindo, quando alguém se queixa de que a vida não tem sentido, o problema não é ajudá-lo a encontrar o tal sentido da vida, mas ajudá-lo a descobrir que a vida se justifica por si só, que ela pode ser seu próprio sentido.
A cultura moderna poderia ser dividida em dois grandes blocos (que não coincidem com as tradicionais divisões de esquerda vs. direita etc.): os que pensam que o sentido da vida não está na própria experiência de viver (mas na espera de um além, num projeto histórico etc.), e os que pensam que a experiência de viver, por mais transitória que seja, é todo o sentido do qual precisamos (nota: a psicanálise, inesperadamente, está nesse segundo grupo, por constatar que a gente sofre mais frequente e gravemente pelo excesso do que pela falta de um sentido).
Alguém dirá que, com o declínio das utopias políticas e algum avanço (talvez) do pensamento laico, o sentido da vida está em baixa. Em suma, eu estaria chutando um cachorro morto.
Não concordo: talvez a própria crise das utopias e de algumas religiões instituídas esteja reavivando uma espiritualidade que tenta sacralizar o mundo, prometendo, no mínimo, sentidos ocultos.
O esoterismo "new age" nos garante que a vida tem um sentido misterioso, que a gente nem precisa saber qual é. Melhor assim, não é? Acabo de ler um breve (e delicioso) ensaio do filósofo italiano Giorgio Agamben, "La Ragazza Indicibile" (a moça indizível, Electa, 2010). Agambem (retomando um ensaio de Jung e Kerényi, de 1941, sobre Koré, a moça sagrada -Perséfone na mitologia clássica) mostra que os mistérios de Eleusis (que são os grandes ascendentes do esoterismo ocidental) de fato não revelavam nenhum grande sentido escondido das coisas e da vida -a não ser talvez o sentido de uma risada diante do pouco sentido do mundo.
Ele conclui com a ideia de que podemos e talvez devamos "viver a vida como uma iniciação. Mas uma iniciação ao quê? Não a uma doutrina, mas à própria vida e à sua ausência de mistério".

ccalligari@uol.com.br
@ccalligaris
(Folha de S.Paulo 06/10/2011)

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Chapeuzinho vermelho sem lobo mau

LUIZ FELIPE PONDÉ

Não há nada no mundo que me dê mais sono do que uma feminista falando sobre o patriarcalismo


Outro dia duas amigas, mulheres bonitas e jovens, emancipadas, se lamentavam porque os homens de hoje não abrem portas, não deixam as mulheres se sentarem, não pagam a conta, enfim, não são cavalheiros.
Claro, nem elas, nem eu assumimos que isso seja uma queixa nova na velha lista de queixas devido à emancipação feminina.
Mas nem tudo são perdas na emancipação feminina, só um ignorante ou um mau-caráter diria uma coisa dessas. Para usar uma expressão do mundo dos recursos humanos em finais de semana de treinamento para motivação (nada mais brega no mundo do que workshops de motivação, não?), a emancipação feminina, como tudo mais, tem seu "lado mais" e seu "lado menos".
Disse a elas o óbvio: "Mas, para receber esse tratamento, vocês têm de obedecer, meninas!". Rimos muito com isso.
Claro que, antes que algum inteligentinho berre dizendo que esta é uma observação machista, a expressão "obedecer" aqui nada tem a ver com "Amélia traga minha cerveja já".
A expressão "obedecer" aqui tem mais a ver com aquele gostinho gostoso do jogo homem-mulher, entre quatro paredes, no qual homens são lobos maus e mulheres chapeuzinhos vermelhos (ou meninas da capa vermelha como está mais na moda falar depois do recente filme).
Tenho de explicar tudo porque umas das coisas que a "crítica ideológica" da relação entre os sexos causa em quem acredita nela (além da chatice usual) é a perda do senso de sutileza.
Quando os homens não podem pensar nas mulheres como objetos sexuais no seu dia a dia (o que não implica ser mal-educado, aliás, falta de educação aqui é antes de tudo falta de conhecimento do "objeto em questão", objeto este que demanda cuidados na "manipulação" porque é inclusive "explosivo") sem que alguma chata fale palavras como "machismo", "patriarcalismo", "blá-blá-blá", acaba-se perdendo a vontade de "mandar na Chapeuzinho Vermelho". O lobo mau desiste de ser mau.
O que as mais chatinhas não entendem é que público e privado se misturam para além de suas críticas ao "poder masculino". E que, à medida que as mulheres se tornam "iguais" aos homens, muitos acham que não há porque as desejar tanto assim.
Não há nada no mundo que me dê mais sono do que uma feminista. Principalmente quando o assunto é a tal crítica do patriarcalismo (o "poder masculino").
Interessante como tem gente que, além de apontar os abusos reais que existem no mundo por conta de os homens serem mais fortes do que as mulheres (atenção: não esqueça, cara leitora da capa vermelha, que essa força maior do homem é parte do lobo mau que a menina da capa vermelha em você tanto gosta...), ama dizer que mesmo a poluição é fruto do patriarcalismo. Pode uma coisa dessas?
Isto é, "sociedades matriarcais" não poluiriam o mundo porque não seriam gananciosas e acumulativas.
Alguém já olhou um armário de uma mulher e contou o número de pares de sapato e de vestidos que ela tem? Nada acumulativas. Ou o número de batons?
Nada contra, já disse muitas vezes, a vaidade numa mulher é sua segunda pele, só mulheres mal-educadas ou muito infelizes não são vaidosas. Quanto mais cores diferentes de batom, melhor.
Mas as "invejosas do falo" (diriam as psicanalistas mais clássicas) adoram dizer que "tudo é política", logo, "tudo é ideologia patriarcal".
Se as mulheres se sentem sozinhas, isso é uma questão política. Se alguém vomitar de medo, isso é uma questão política. Se as mulheres têm pressão arterial mais baixa do que os homens, isso é culpa do patriarcalismo (logo, é política), porque foram os homens que escreveram os tratados de fisiologia, logo...
Enfim, nada mais machista por parte da seleção natural do que fazer com que as mulheres fiquem grávidas e não os homens, porque assim as obrigou a serem mais seletivas no sexo, porque afinal pagam caro por ele.
Ou será que isso também é opressão patriarcal? Úteros e ovários são a prova cabal de que o universo é patriarcal? A dor do parto é parte desse plano de opressão?
Será que, se criticarmos bem o patriarcalismo, os homens ficarão grávidos e não mais as mulheres?

ponde.folha@uol.com.br
(Fonte: Folha de S.Paulo 03/10/2011)

sábado, 20 de agosto de 2011

Inflação eleva "maquiagem" de produtos

Com alta de alimentos, empresas reduzem quantidade sem baixar preço; para especialistas, prática pode ser abusiva
Mudança tem de ser informada de forma "ostensiva'; letras miúdas estão entre as reclamações

Fotos Adriano Vizoni/Folhapress
Filtro de café do Carrefour, reduzido de 40 para 30 unidades

LEANDRO MARTINS
DE RIBEIRÃO PRETO

A alta da inflação intensificou a prática de empresas de reduzir o peso ou o volume dos produtos sem a diminuição proporcional do preço, muitas vezes sem informar o consumidor de forma clara (a chamada "maquiagem"), segundo representantes do varejo ouvidos pela Folha.
Com o aumento de custos, em vez de elevar o valor do produto, o fabricante corta a quantidade vendida.
Levantamento feito pela Folha em supermercados na semana passada encontrou uma dúzia de produtos com redução no volume.
A lista inclui iogurtes, farinha, suco, gelatina, atum, aveia, água mineral e até filtro de papel para café.
Em todos os produtos, havia informação na embalagem sobre a redução, como manda a lei, mas na maioria dos casos o anúncio ocorre em letras miúdas. Com destaque, só 3 dos 12 produtos.
O DPDC (Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor), do Ministério da Justiça, diz que as reduções de volume sem barateamento proporcional podem significar prática abusiva.
Segundo o órgão, o abuso pode ser enquadrado em artigos do Código de Defesa do Consumidor que vedam exigir do cliente vantagens excessivas e elevar preço de produtos sem justificativa.
O departamento afirma, no entanto, que não há na legislação texto que cite explicitamente que a redução de peso tem de ser acompanhada por queda de preço.
Tanto o DPDC como o Procon afirmam, no entanto, que não há ilegalidade na redução quando ela é justificada e informada de forma "ostensiva" ao consumidor.
Na lista obtida pela Folha, o caso de maior redução percentual de produto é o da gelatina Sol, cujo volume caiu 59% -de 85 g para 35 g.
O fabricante J.Macêdo diz que houve mudança na fórmula, sem prejuízo ao rendimento final.

TRANSPARÊNCIA
De acordo com o assistente de direção da Fundação Procon-SP, Carlos Alberto Nahas, todas as informações de mudança devem aparecer de forma ostensiva e transparente na embalagem. "Letra miúda não é informação."
Portaria do Ministério da Justiça, de 2002, criou regras para a redução de quantidade. A embalagem deve informar, em tamanho e cor adequados, o volume anterior e o atual e a redução em valores absolutos e percentuais.
As letras miúdas das embalagens estão entre as reclamações. "No meu caso, quando ocorre essa redução, acaba passando despercebido", disse a educadora social Márcia Regina Soares, 41.
"O problema é que normalmente essa mudança nunca é proporcional. Às vezes o preço até aumenta", afirmou a arquiteta Carla Sette, 42. "É um descaso, a gente se sente ofendido."


MEMÓRIA
PRÁTICA TEVE CASO SIMBÓLICO HÁ UMA DÉCADA

No início dos anos 2000, houve uma série de ações do Ministério da Justiça para coibir a maquiagem. Um dos mais famosos foi a redução, sem nenhum tipo de informação prévia e sem queda de preço, nos rolos de papel higiênico, que passaram de 40 metros para 30 metros.


E EU COM ISSO?
Cliente deve ficar atento à embalagem

Como a legislação permite que as empresas modifiquem livremente seus produtos, desde que informem a alteração na embalagem, especialistas em direito do consumidor afirmam que o cliente deve estar atento aos textos impressos nos rótulos das mercadorias.
"A rotulagem é a comunicação do fornecedor com o consumidor", afirma Carlos Alberto Nahas, assistente de direção do Procon de São Paulo.
Para Maria Inês Dolci, coordenadora da ProTeste Associação de Consumidores e colunista da Folha, além de estarem atentos à embalagem, os consumidores devem acompanhar a evolução de preço.
Só assim, afirma Dolci, é possível que o consumidor saiba se a mercadoria que "encolheu" também está custando menos.
A coordenadora da ProTeste diz que a pior situação é aquela em que a mudança de volume do produto ocorre sem que haja nenhum tipo de comunicado por parte da empresa.
"Aí é omissão de dado, é uma violação da confiança do consumidor. Além disso, é uma ilegalidade e uma fraude no mercado", afirma Dolci. (LM)


OUTRO LADO
Empresas dizem se adequar ao mercado
DE RIBEIRÃO PRETO

Mudança de fórmula, adequação ao mercado e reformulação visual. Esses são alguns dos argumentos de fabricantes para a redução no volume dos produtos.
As indústrias afirmam que respeitam as regras, mas poucas falam sobre o vínculo entre a alteração e o preço.
Dos casos encontrados pela Folha nas prateleiras dos supermercados, de 9 fabricantes, apenas 3 afirmaram que a redução da mercadoria teve queda de preço proporcional.
No caso da gelatina Sol, cujo peso foi reduzido em 59%, o fabricante J.Macêdo disse que houve mudança na fórmula, mas que o rendimento final do produto permaneceu o mesmo.
Argumento semelhante foi usado pela Kraft, responsável pelo suco Tang, cujo peso foi reduzido de 35 gramas para 30 gramas (-14,3%).
Na relação de produtos da gigante PepsiCo, a diminuição envolve o atum ralado light Coqueiro, de 130 gramas para 120 gramas (-7,7%), e a aveia em flocos finos Quaker, de 500 gramas para 450 gramas (-10%).
A PepsiCo disse apenas que informou o corte de forma "transparente", mas não informou a razão.
Já a Yoki Alimentos reduziu a farofa pronta suave de 300 gramas para 250 gramas (diminuição de 16,7%). A assessoria da empresa não deu detalhes.

REFORMULAÇÃO
Na linha da "adequação do produto ao mercado", a Danone, o Pão de Açúcar e a Coca-Cola "encolheram" produtos.
A Danone diminuiu as bandejas de iogurte da marca própria e da linha Paulista, de 600 gramas para 540 gramas -baixa de 10%.
A companhia diz que o novo peso é um padrão do mercado, mas não revelou se o preço recuou.
Já a Coca-Cola diz que, reformulando a identidade visual, reduziu o volume da água mineral Crystal de 510 ml para 500 ml. A empresa diz que, como a redução foi de "apenas" 2%, o preço final da água não foi alterado.
O Pão de Açúcar, por sua vez, diminuiu a quantidade de coadores de papel para café da marca própria Qualitá. A caixa do produto passou a conter 30 unidades, ante 40 filtros -menos 25%.
A empresa diz que a mudança ocorreu para garantir competitividade e afirmou que houve redução de preço.
O Carrefour também reduziu seu filtro de papel para café, de marca própria, de 40 para 30 unidades.
A empresa disse que o preço foi readequado proporcionalmente.
Outra empresa que afirmou ter reduzido o valor final da mercadoria foi a Nestlé, cujos iogurtes naturais (desnatado, integral e com sabores) foram diminuídos em 15%. (LM)

ANÁLISE
Mudança tem de ser informada de forma clara na embalagem
ARTHUR ROLLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A prática abusiva de "maquiagem de produtos" consiste na redução quantitativa do conteúdo da embalagem, sem aviso ao consumidor.
Na maioria das vezes, o preço anteriormente praticado é mantido, enganando o consumidor, que adquire menor quantidade pelo mesmo preço. Trata-se de forma de aumentar o preço sem que o consumidor perceba.
Essa prática não é nova e já aconteceu em diversas outras oportunidades, levando o Ministério da Justiça a baixar a portaria de número 81, de 23 de janeiro de 2002.
Segundo as regras estipuladas, embora os fornecedores tenham o direito de reformular seus produtos, devem informar adequadamente os consumidores a respeito. Todo aumento de preço leva o consumidor à reflexão, podendo desencadear a opção por um produto de empresa concorrente.
A portaria obriga que qualquer alteração quantitativa de produtos seja informada de forma clara e ostensiva.
Traduzindo: o consumidor, ao olhar para a embalagem, deve perceber que houve alteração quantitativa. Devem ser informadas a quantidade do produto, antes e depois da modificação, e a representatividade do aumento ou da redução, em termos absolutos e percentuais.
O período mínimo de veiculação dessas informações é de três meses, a fim de que o consumidor se habitue com as alterações.
Além de não cumprirem as regras, algumas empresas mudam as embalagens dos produtos para dificultar ainda mais a percepção da diminuição da quantidade.
Não basta informar a diminuição do conteúdo mediante letras pequenas no canto da embalagem. O consumidor deve ver e entender.
Com o aumento da inflação, esse expediente de maquiagem está mais comum. Empresas que adotam esse expediente podem ser multadas pelo DPDC -Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, do Ministério da Justiça- e pelos Procons em mais de R$ 3 milhões. Cabe ao consumidor denunciar essas práticas, a fim de que os procedimentos administrativos sejam instaurados, e o infrator, punido. Só assim esse expediente tenderá a diminuir.
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ARTHUR ROLLO, 35, é advogado especialista em direito do consumidor.

(Fonte: Folha de S.Paulo)

terça-feira, 16 de agosto de 2011

A redescoberta do cambuci

Matéria sobre meu bairro, o velho Cambuci...

QUANDO começou a trabalhar no bairro, em 2007, Eliana Peixe queria saber de onde vinha o nome Cambuci. Disseram-lhe que, no passado, havia por lá muitos pés de cambuci -era abundantemente usado na culinária local e na aguardente dos tropeiros. Resolveu fazer uma investigação e descobriu que, pelo menos no bairro, aquela árvore estava em extinção. "Só localizamos uns poucos pés."
Daí começaria um retorno culinário. "O gosto da fruta e das folhas do cambuci está voltando para as casas e restaurantes."
É uma receita que, por acaso, acabou misturando culinária com projetos digitais.

A história começa numa gráfica desativada da prefeitura, com suas máquinas que serviriam apenas para museus. O único sinal de modernidade no entorno daquele prédio são os grafites feitos pelos OsGêmeos, que usam o bairro, onde moram, como um misto de ateliê e galeria ao ar livre.

Eliana foi convidada pela prefeitura para transformar aquele espaço, batizado de Incubadora de Projetos Sociais, em um centro de novas mídias para a comunidade, especialmente os jovens -e, agora, convivem as aposentadas impressoras, convertidas em decoração, com computadores e programas de última geração, fornecidos por causa de parcerias com empresas de telecomunicação.
Como fazia parte do projeto uma relação mais próxima com a vizinhança, apareceu a dúvida sobre o nome do bairro. Aprenderam que os bandeirantes tinham por hábito jogar a polpa da fruta na aguardente para tomar em suas viagens pelo interior do país -é a árvore que simboliza a cidade de São Paulo.

Tais informações foram o suficiente para que colocassem a mão na terra. "Decidimos que plantaríamos pés de cambuci." Desde junho deste ano, foram plantadas 150 árvores pelas praças e canteiros.

Mas a ideia acabou na cozinha das casas e dos restaurantes.
Enquanto as árvores não crescem, importaram-se folhas e polpas, que serviram para que senhoras aprendessem como fazer geleias, tortas e biscoitos. Restaurantes entraram na onda -um deles incorporou no cardápio, com destaque para "nhoque ao molho de cambuci". Já está em fase de experimentação até mesmo uma pizza.
Visitantes são recebidos no local com sorvete. De cambuci, claro.
Como as senhoras frequentam esse centro de novas tecnologias de informações, jovens vão ensiná-las a fazer um blog para divulgar as receitas -um dos projetos capacita jovens para ensinar informática aos idosos.

A descoberta do bairro tem sabor e cor. Os jovens querem fazer uma visita virtual pelo Cambuci usando como trajeto os desenhos dos mundialmente reverenciados OsGêmeos, que estão espalhados nos muros -é um jeito de, sem exagero, levar o gosto local ao mundo. (GILBERTO DIMENSTEIN/Folha de S.Paulo)

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

A tentação totalitária

LUIZ FELIPE PONDÉ

Primeiro vem a certeza de si mesmo como agente do "bem total", depois você vira autoritário em nome dele

VOCÊ SE considera uma pessoa totalitária? Claro que não, imagino. Você deve ser uma pessoa legal, somos todos.
Às vezes, me emociono e choro diante de minhas boas intenções e me pergunto: como pode existir o mal no mundo? Fossem todos iguais a mim, o mundo seria tão bom... (risadas).
Totalitários são aqueles skinheads que batem em negros, nordestinos e gays.
Mas a verdade é que ser totalitário é mais complexo do que ser uma caricatura ridícula de nazista na periferia de São Paulo.
A essência do totalitarismo não é apenas governos fortes no estilo do fascismo e comunismo clássicos do século 20.
Chama minha atenção um dado essencial do totalitarismo, quase sempre esquecido, e que também era presente nos totalitarismos do século 20.
Você, amante profundo do bem, sabe qual é? Calma, chegaremos lá.
Você se lembra de um filme chamado "Um Homem Bom", com Viggo Mortensen, no qual ele é um cara legal, um professor universitário não simpatizante do nazismo (o filme se passa na Alemanha nazista), e que acaba sendo "usado" pelo partido?
Pois bem. Neste filme, há uma cena maravilhosa, entre outras. Uma cena num parque lindo, verde, cheio de árvores (a propósito, os nazistas eram sabidamente amantes da natureza e dos animais), famílias brincando, casais se amando, cachorros correndo, até parece o Ibirapuera de domingo.
Aliás, este é um dos melhores filmes sobre como o nazismo se implantou em sua casa, às vezes, sem você perceber e, às vezes, até achando legal porque graças a ele (o partido) você arrumaria um melhor emprego e mais estabilidade na vida.
Fosse hoje em dia, quem sabe, um desses consultores por aí diria, "para ter uma melhor qualidade de vida".
E aí, a jovem esposa do professor legal (ele acabara de trocar sua esposa de 40 anos por uma de 25 -é, eu sei, banal como a morte) o puxa pelo braço querendo levá-lo para o comício do partido que ia rolar naquele domingão no parque onde as famílias iam em busca de uma melhor qualidade de vida.
Mas ele não tem nenhuma vontade de ir para o comício porque sente um certo "mal-estar" com aquilo tudo. Mas ela, bonita, gostosa, loira, jovem e apaixonada (não se iluda, um par de pernas e uma boca vermelha são mais fortes do que qualquer "visão política de mundo"), diz: "meu amor, tanta gente junta querendo o bem não pode ser tão mal assim".
É, meu caro amante do bem, esta frase é uma das melhores definições do processo, às vezes invisível, que leva uma pessoa a ser totalitária sem saber: "quero apenas o bem de todos".
Aí está a característica do totalitarismo que sempre nos escapa, porque ficamos presos nas caricaturas dos skinheads: aquelas pessoas, sim, se emocionavam e choravam diante de tanta boa vontade, diante de tanta emoção coletiva e determinação para o bem.
Esquecemos que naqueles comícios, as pessoas estavam ali "para o bem".
Se você tem absoluta certeza que "você é do bem", cuidado, um dia você pode chorar num comício achando que aquilo tudo é lindo e em nome de um futuro melhor.
E se essa certeza vier acompanhada de alguma "verdade cientifica" (como foi comum nos totalitarismos históricos) associada a educadores que querem "fazer seres humanos melhores" (como foi comum nos totalitarismos históricos) e, finalmente, se tiver a ambição política, aí, então, já era.
Toda vez que alguém quiser fazer um ser humano melhor, associando ciência (o ideal da verdade), educação (o ideal de homem) e política (o ideal de mundo), estamos diante da essência do totalitarismo.
O que move uma personalidade totalitária é a certeza de que ela está fazendo o "bem para todos", não é a vontade de destruir grupos diferentes do dela.
Primeiro vem a certeza de si mesmo como agente do "bem total", depois você vira autoritário em nome desse bem total.
O melhor antídoto para a tentação do totalitarismo não é a certeza de um "outro bem", mas a dúvida acerca do que é o bem, aquilo que desde Aristóteles chamamos de prudência, a maior de todas as virtudes políticas.
Não confio em ninguém que queira criar um homem melhor.

ponde.folha@uol.com.br
(Folha de S.Paulo 18/07/2011)

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Sobre a vida após a morte

MARCELO GLEISER

Já que no domingo passado escrevi sobre o fim do mundo (era para ter sido ontem), é natural continuar nossa discussão refletindo sobre vida após a morte. especialmente nesta semana, quando o famoso físico Stephen Hawking falou do assunto em entrevista ao jornal inglês "The Guardian". "um conto de fadas para pessoas que têm medo do escuro", disse.
Mantendo a discussão ao nível "científico", o que podemos falar sobre experimentos que visam detectar vida após a morte?
eis o que escrevi sobre o tópico em meu livro "Criação Imperfeita": "quando ingressei no curso de física da PUC do Rio em1979, era a encarnação perfeita do cientista romântico, com barba, cachimbo e tudo.
Lembro-me, com um certo embaraço, do meu experimento para 'investigar a existência da alma'. Se a alma existia, pensei, tem que ter uma natureza ao menos em parte eletromagnética, de modo a poder animar o cérebro. e se eu convencesse um hospital a dar-me acesso a um paciente em coma, já prestes a morrer? Assim, poderia circundá lo com instrumentos capazes de detectar atividade eletromagnética.
Talvez pudesse detectar a cessação do desequilíbrio elétrico que caracteriza a vida [...] Por via das dúvidas, o paciente deveria também estar deitado sobre uma balança bem precisa, caso a alma tivesse peso." Continuo:"Na verdade,minha incursão no terreno da "teologia experimental" era mais brincadeira do que algo que levei a sério. Porem, minha metade vitoriana charlatã, devo dizer, tinha ao menos um predecessor.

Do ponto de vista científico, vida após a morte não faz sentido,embora a esperança de que ela exista seja muito compreensível

Em 1907, um certo Dr. Duncan MagDougall de Haverhill, em Massachusetts, conduziu uma série de experimentos para medir o peso da alma.emborasua metodologia fosse altamente duvidosa, seus resultados foram mencionados no prestigioso "New York Times":"Médico crê que alma tem peso", afirmou a manchete. O peso era em torno de 21,3 gramas, embora tenha havido algumas variações entre os poucos pacientes investigados. Como grupo de controle, ele pesou 15 cães, mostrando que eles não sofriam qualquer mudança de peso. O resultado não o surpreendeu, pois suspeitava que só humanos têm almas."
Os experimentos de Mag Dougall inspiraram o filme "21 Gramas", com Sean Penn fazendo o papel de um matemático à beira da morte.
De volta a Hawking, devo dizer que concordo com ele. Tudo o que sabemos sobre como a natureza opera indica que a vida é um fenômeno bioquímico emergente que tem um início e um fim.
Do ponto de vista científico, vida após a morte não faz sentido: existe a vida, um estado complexo da matéria em que um organismo interage ativamente com o ambiente, e existe a morte, um estado em que essas interações tornam-se passivas.
Morte é ausência de vida. (Mesmo o vírus só pode ser considerado0 vivo dentro de uma célula anfitriã.) É perfeitamente compreensível querer mais do que algumas décadas de vida, ter esperança de que existe algo mais.
Porém, nosso foco deve ser no aqui e no agora, e não no além. O que importa é o que fazemos coma vida que temos, curta que seja.Após ela, o que persiste são as memórias naqueles que continuam vivos.

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MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro Criação Imperfeita

Folha de S.Paulo, 22/05/2011

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Shopping em São Paulo põe segurança no banheiro masculino

Se eles não querem que as pessoas tenham preconceito, não deveriam agir assim. O respeito deve ser mútuo.
Lei aqui a matéria

sexta-feira, 13 de maio de 2011

domingo, 8 de maio de 2011

Por que São Paulo está cada vez mais cara?

Veja os fatores que contribuem para a escalada de preços na capital paulista
Leia aqui

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Quebrado

Ufa! Tanta coisa aconteceu durante o tempo que fiquei sem postar. O mundo esta acelerado demais, mais rápido do que a pequena reforma que resolvi fazer em meu home. Mas mesmo após tragédias e demonstrações puras de mau caratismo, o país continua e continuará igual. O tempo, aqui, funciona como uma borracha.
Mas guardei muita coisa interessante que, aos poucos, vou compartilhar com vocês.

terça-feira, 29 de março de 2011

Maxilares em ação

Tem gente que faz da sala de cinema uma extensão de sua sala de estar. Pensei que só eu me incomodava com esta verdadeira 'fábrica de mastigação' no cinema, mas descobri que não estou sozinho. Segue artigo de Ruy Castro sobre o tema:

RIO DE JANEIRO - Em Riga, Letônia, há duas semanas, Agars Egle, 42, profissão indefinida, foi morto dentro de um cinema por estar fazendo barulho ao comer pipoca durante uma sessão do filme "Cisne Negro". Sentindo-se incomodado, um vizinho de poltrona, o advogado Nikolajs Zikovs, 27, silenciou-o com um tiro de pistola.
Estava demorando para acontecer. Há 20 anos, os proprietários de cinemas descobriram que havia mais dinheiro a ganhar com a bonbonnière do que com a exibição do filme. Donde os novos pipoqueiros-exibidores decretaram que não seria mais possível assistir a um filme sem esse complemento alimentar, até então facultativo.
Os novos cinemas já nasceram como extensões da máquina de torrar pipoca. Os próprios sacos de pipoca começaram a ser desenhados de forma a crescer até adquirir as dimensões cúbicas de um balde. O desafio era: qual o tamanho máximo possível de um saco de pipoca, capaz de caber no colo do espectador e não atrapalhar a visão da pessoa na poltrona de trás?
Hoje, mesmo que o sujeito tenha jantado antes de sair de casa, ninguém admite passar duas horas olhando para uma tela sem esse renitente movimento mastigatório. Incrível como, nos anos 60, assistimos a filmes como "Hiroshima Meu Amor", de Alain Resnais, ou "A Noite", de Michelangelo Antonioni, sem comer pipoca.
Uma única pessoa mastigando ao nosso lado não deveria causar grande distúrbio. Mas o rumor de centenas de pessoas triturando grãos de pipoca ao mesmo tempo provoca um efeito britadeira, capaz de sufocar o som de qualquer filme. Por isto, os cinemas tiveram de elevar o volume do som aos intoleráveis níveis atuais -para fazer frente ao exército de maxilares em ação.
Fui informado de que, para os padrões contemporâneos, "Cisne Negro" é um filme quase em surdina. Está explicado o crime. (RUY CASTRO - Folha de S.Paulo - 04/03/2011)

segunda-feira, 21 de março de 2011

Patrão gostou

A moça do vídeo abaixo parece que agradou seu patrão, Silvio Santos, e foi contratada para o jornalismo do SBT em São Paulo. Audiência e polêmica caminhando juntas sempre...

sexta-feira, 11 de março de 2011

Apresentadora critica Carnaval

Apresentadora Rachel Sheherazade, do jornal Tambaú Notícia, afiliada do SBT na Paraíba, diz uma verdade incontestável!

quarta-feira, 9 de março de 2011

Medo do mouse

Faltou o Gaddafi...

quinta-feira, 3 de março de 2011

Luta de classes

DANUZA LEÃO

Aprendi que a luta de classes começa dentro de casa, e mais especificamente, dentro da geladeira


HÁ UNS DOIS ANOS tive uma diarista que começava a trabalhar muito cedo -por escolha dela; às 6h ela já estava em minha casa. Uma morenona bem carioca, simpática, risonha, disposta, sempre de altíssimo astral.
Gostei dela, e como detesto fazer ares de patroa -e não sei-, tínhamos uma relação amistosa e legal, como devem ser todas as relações. Algum tempo depois, comecei a fazer aula de natação em um clube que fica a uns 500 metros de minha casa. A aula era às 7h, mas e a preguiça? Preguiça de levantar da cama, e enfrentar a distância ficou difícil. Tive então uma ideia: levá-la comigo. Assim, teria companhia para ir e voltar, e seria mais fácil a caminhada. Vamos deixar bem claro: não foi nem um ato de gentileza de minha parte, nem pensei apenas em meu proveito.
Achei que seria bom para as duas, e ela, que talvez nunca tivesse entrado numa piscina, ia adorar.
Perguntei se gostaria, ela ficou toda feliz, e, a partir daí, todos os dias íamos juntas, conversando.
Eu pagava minha aula e a dela, e às 8h30 estávamos de volta, alegres, falando sobre nossos progressos. Já que não posso mudar o mundo, pensei, estou exercendo o socialismo -ou a democracia- pelo menos em meu território. Mas notei que a cada vez que contava isso para os amigos, nenhum deles dizia uma só palavra; nem para achar que tinha sido uma boa solução, nem para ficar contra, nem ao menos para achar alguma graça. Silêncio geral e total.
O tempo foi passando. Comecei a perceber pequenos desvios no troco, às vezes dava por falta de uma das três mangas compradas na feira, os picolés que guardava no freezer desapareciam, os refrigerantes e sabonetes também, e eu pensava: "tem dó, Danuza, afinal ela toma duas conduções para vir, duas para voltar, a grana é pouca, se ela fica com oito ou dez reais da feira, é distribuição de renda. E se comeu metade do Gruyère, dizer que o queijo francês é só seu, é um horror"; e assim fomos indo.
Fomos indo até que um dia viajei por um mês, e quando voltei, houve problema com um cheque; coisa pouca, mas ficou claro, claríssimo, que tinha sido ela, e tive que demiti-la, o que aliás me custou bem caro, em dinheiro e pela deslealdade. Depois da demissão, fui descobrindo coisas mais graves -e nem vou contar todas, só uma delas: nos fins de semana, ela vinha com o marido, punha o carro na garagem do prédio e o casal passava o fim de semana na minha casa.
Depois de recibos assinados, tudo liquidado, chegou a conta do telefone do mês em que estive fora: havia 68 ligações para um único celular. Liguei para o número e soube que era de um funcionário do clube de natação, que ela paquerava.
Quando entrou a substituta, tive que comprar lençóis, toalhas e um monte de coisas que ela havia levado. Sei que não sou um modelo de dona de casa, mas alguém conta todos os dias quantos lençóis tem? E tranca os armários? Não eu. Durante um bom tempo fiquei mal: pela confiança, pela traição, depois de quase dois anos de convivência. E agora?
Não sei. Afinal, somos ou não somos todos seres humanos iguais, como me ensinaram? Ou é preciso mesmo existir uma distância empregado/patrão, como dizem outros? Ou esse foi um caso singular?
Aprendi que a luta de classes começa dentro de nossa casa, e mais especificamente, dentro da geladeira. E enquanto o mundo não muda, passei a comprar queijo de Minas, que além de tudo não engorda.
(Folha de S.Paulo - 06.02.2011)