terça-feira, 17 de novembro de 2009

Mundo à parte

Em um artigo publicado no jornal Brasil Econômico no último dia 7 de novembro, uma articulista se revolta com a preferência dos ‘idosos saudáveis' nas filas. Acho que para resolver a situação só uma mudança na lei para que somente as pessoas com saúde frágil tenham esse direito. Em cada comércio, banco e serviço público haverá um médico na fila para avaliar se o cidadão pode ou não ter preferência. Leia abaixo o artigo reproduzido na íntegra e, logo depois, a resposta publicada no dia 11.

Preferencialmente todos - exceto você

Mariella Lazaretti

Trabalho 12 horas por dia. Tenho filhos em faculdade, faço tripla jornada e pago impostos. Eu teria tudo para ser considerada uma pessoa legal. Mas não sou. Não estou grávida. Não tenho 65 anos. Não sou aposentada. Também não sou negra, para minha tristeza tenho lábios finos e não canto como a Aretha Franklin. Tampouco sou gay ou carrego qualquer ancestralidade indígena. Eu sou a megera da sociedade atual. Posto isto, pelo desabafo que farei e por tudo o mais que não sei bem o que é, peço desculpas.

Concluí recentemente que devo ter cochilado em alguma parte da história. De repente, de geração reprimida que aprendia Moral e Cívica na ditadura, que na vida adulta encarou presidentes como Itamar Franco e Sarney e nunca conseguiu um empréstimo de casa própria pelo BNH, despertei sendo tratada a pão e água pela antropologia moderna. Tudo acontece na minha vez. Primeiro a Aids, depois crise do papel (eu sendo jornalista), aí o lixo incontrolável do planeta, a contenção de energia e água, tsunamis, dilúvios e calores torrenciais dia sim dia não. Nem posso sonhar mais em ir para Indonésia. Sem falar que mudaram a fórmula do requeijão Poços de Caldas para uma gororoba insuportável num copo de plástico.

Quem é velho?
Minha geração cuspiu na cruz em alguma encarnação. Cadê a parte em que a gente se dá bem, tem privilégios de força ativa de produção, facilidades de empréstimos e cadeira cativa no estádio do time amado? Para ser bem tratado garantidamente neste milênio você precisa ser da turma da minoria – eis tudo! O que não é meu caso. Ontem no hipermercado, por exemplo. Rodei para achar uma vaga no estacionamento. Passei por 10 vagas preferenciais vazias – para deficientes físicos e para idosos. Os deficientes precisam de espaço especial, ninguém discute. Mas se é o carro que anda até encontrar vaga e não as pernas do idoso, não entendo qual é o problema de ele parar no mesmo lugar que eu.

Depois, na hora de pagar, havia 3 caixas preferenciais abertos e 4 para a maioria desprezível como eu, sendo que dois deles eram destinados aos com compras de até 10 unidades –gays provavelmente! Eu estava com 13 unidades. Faltou coragem de pedir que me passassem com 3 unidades a mais. Não consegui (aquelas malditas aulas de Moral e Cívica...). Eu tinha reunião, estava apressada. Confesso que pensei em me passar por grávida ou jurar que tinha 65 anos com muito botox.

Se é para sair com
mulher de 30, os
sessentões espalham
os fios de cabelo que
restam, põem um
cardigã no ombro
e compram o álbum
do White Stripes


Antes que eu leve ovos da turma chata politicamente, vou discorrer sobre alguns pontos. Outro dia ouvi meu vizinho de 74 anos vangloriar-se da caminhada de uma hora que faz toda manhã na pracinha perto de casa. Como então pode ser difícil caminhar cinco metros até a porta do supermercado? Ele mesmo se sente malandro e fica constrangido por isso. A questão básica aqui é: quem deve ser considerado velho? Pesquisas e o IBGE comprovam que o brasileiro tem permanecido ativo até muito mais tarde. O governo decreta que a aposentadoria vale a partir dos 65 anos. Logo, quem tem 65 não é idoso. Alguém vai me dizer que Roberto Carlos é idoso? Que Mick Jagger é velho e incapaz? Aquele sujeito que corre no palco feito um ganso bravo precisa de vaga especial no estacionamento? Tá. Depois, se é pra sair com uma mulher de 30,os sessentões espalham os fios de cabelo que restam, põem um cardigã no ombro e compram o álbum do White Stripes.

Mick Jagger corre feito um ganso bravo no palco. Merece vaga de idosos no estacionamento do supermercado?

Comigo aconteceu assim: fui trocar a passagem aérea de meu filho em um escritório da TAM. O local de atendimento era confortável. Pegamos uma senha e nos sentamos. Na nossa frente havia apenas um casal idoso, alquebrado. Ambos podiam até ter menos de 60 anos, mas era obrigatório que passassem na frente de todos. O número seguinte a estes dois seria o meu.

Eis que subitamente entra um homem muito bem apessoado. Cabelos brancos e bronzeado adquirido em veleiro próprio. Magro, lépido e elegante. Vejo-o dirigindo-se à única atendente disponível – a que seria minha em questão de minutos. Gentilmente pediu seus direitos de privilégio por idade. Fiquei na minha, mas não gostei. Em seguida, entra uma mulher, maquiada, sacudida, blusa de oncinha e roupa de yoga. Ela também fez o mesmo movimento para passar na minha frente. Meu sangue começou a ferver. Eram quatro da tarde. Eu tinha entrado naquela sala feliz da vida porque ia ser atendida em meia hora. Se a atendente tivesse bom senso teria me atendido primeiro. Afinal, a justificativa de se passar um idoso à frente é que, mediante limitações físicas visíveis, ele seja poupado da canseira de ficar em pé em uma fila enorme em lugares como o Banco do Brasil e Caixa Econômica. Não ali.

Fiz o que você já teve vontade de fazer algumas vezes. Eu questionei. Perguntei ao bonitão bronzeado se ele se achava velho. O cara se empertigou, mas sorriu envaidecido. Eu ainda disse: “Você é muito jovem pra usar a fila de idosos. Aposto que faz esporte!” Perguntei-lhe a idade, ao que ele discretamente declinou. Tudo bem, ele achou que eu estava dando mole. Disse isto pra mulher também, que quase saiu no braço comigo. O homem então tentou acalmar os ânimos e foi a ela dizer que me deixaria passar na frente ( Hã? Eu já estava na frente!) e que cederia o lugar dele a ela. Um cavalheiro acabado. Naquele momento ele tinha se livrado de uns 30 anos de vida. Era um homem feliz. Sei que meu comentário fez a semana dele melhor e que ele evitaria a tentação de usar caixas e vagas preferenciais depois disto. Ao menos não na presença de uma mulher mais nova, mesmo que integrante do tipo branca, não indígena e hetero como eu.

Resposta publicada no dia 11 de novembro. (clique para ampliar)

Um comentário:

Lana disse...

Pois é, Fê, em todo lugar tem gente levando vantagem. O que não significa querer questionar os direitos duramente conquistados pelos idosos... achei também de muito mau gosto o artigo dessa mulher. O que mais me choca é que ultimamente pessoas como elas proliferam por aí...